Sua mãe, Don’ana era a proprietária da Casa Galvão, em Timbaúba. Comerciante de mão cheia, admirada e respeitada por todos, conhecia todas as pessoas da pequena cidade. Isso nos tempos antigos, década de 30.
Galvãozinho, aos 8 anos já vendia sal e pimenta na porta da loja da sua mãe que ficava na rua da feira. Simpático, sorridente, logo se tornou conhecido pelos freqüentadores da Rua Coronel Antonio Vicente (a rua da feira de Timbaúba). Aos 14 foi de férias para a capital. Junto com os primos foi para a casa da tia Quina, em Afogados. Encantou-se com o Recife. Mais tarde recebeu o consentimento para ir morar em Afogados ou na Rua do Sossego, casa do tio Antonio. Caiu na graça de uma pessoa importante na sua vida: Pupilo de Helena Chateaubriand, aos 24 anos, Galvão já tinha passado pelo Serviço Social Contra o Mocambo e pelo setor de disciplina do Ginásio Pernambucano, em Recife. Duas escolas de vida, dizia ele. Uma na educação e outra no serviço social. Fortes disciplinadores de seu estilo de vida. Assessorou o professor Paulo Freire, com quem cultivou amizade durante muito tempo.
Em 1942 os timbaubenses Galvão Cavalcanti e Raimundo Ferreira chegavam a Caruaru com o objetivo de se tornarem comerciantes. Logo adquiriram um estabelecimento de uma só porta que mais tarde se transformaria numa grande livraria. Época da guerra e, segundo José Carlos Florêncio, proprietário do Jornal Vanguarda, Guerra era um nome impróprio para uma livraria. – “Muda, Galvão. Bota Estudantil”.
A situação geográfica da cidade foi um dos fatores preponderantes para a escolha de Caruaru como sede dos negócios. Bem no centro do cruzamento das estradas que ligavam Alagoas à Paraíba e o Recife ao sertão, Caruaru sempre foi uma passagem obrigatória para os viajantes. Galvão nunca teve somente o espírito comercial. Sempre professor, gostava de educar as pessoas.
Para se tornar conhecido na cidade, Galvão buscou as melhores amizades e montou um esquema comportamental que lhe tornasse presente em todas as camadas: defensor do associativismo, foi fundador e presidente por 4 vezes da CDL- Caruaru, presidente da Associação Comercial por mais de uma vez presidente do Círculo Católico, da União Beneficente, do Esporte Clube Caruaru, da Segurança Noturna e do Rotary Clube.
A sirene tocava, chamando o público para a sessão no Cine Caruaru, todo de branco, paletó e gravata e os famosos suspensórios, lá estava Galvão na portaria cumprimentando os que entravam e deixando a dúvida: Quem é aquele senhor?
Articulista dos jornais da cidade A Defesa e Vanguarda, sempre escreveu artigos e crônicas ligadas ao interesse da coletividade. Galvão ainda foi convidado por mais de uma vez para ser candidato a prefeito da cidade, opção rejeitada por não se enxergar com espírito político e não criar arestas entre seus inúmeros amigos. A sua paixão sempre foi a Livraria Estudantil.
Amigo do Prof. Paulo Freire, foi convidado para dirigir o SESI que abriria o Centro Social José de Vasconcelos, no bairro de São Francisco (Rua Preta? Nunca!!! – Não gostava), em 1947. Por mais de dez anos dirigiu aquela entidade. Diretor do SESC e do SENAC por longo tempo. Ali reunia as suas duas vocações: a de ensinar e a de converter parte do seu tempo em assistência social.
A essa altura a lojinha de miudezas e publicações livrescas já se transferira para a esquina da rua Duque de Caxias, dando origem a um dos pontos mais queridos para encontro de intelectuais, profissionais liberais, professores e funcionários públicos. A esquina da Estudantil e o beco da Estudantil tomavam nome. Galvão à frente dos balcões indagava sobre a preferência literária dos leitores e recomendava obras. Conversava com clientes e funcionários. Recomendava aos seus colaboradores ler os jornais da cidade e conhecer as pessoas pelo nome. Reservava parte do expediente para conferências de ensino profissional, aperfeiçoando a cultura dos seus colaboradores.
Distribuidora da revista O Cruzeiro, a Estudantil recebeu prêmio por vender proporcionalmente mais revistas do que o Recife. Abastecia todas as cidades ao redor de Caruaru e contava com mais de duas centenas de assinantes para quem as revistas semanais eram entregues em casa.
Foram muitas as tardes de autógrafos com escritores famosos. Hilton Sette, Érico Veríssimo, José Condé, Nelson Barbalho, Paulo Freire, Manoel Correia de Andrade, Luiz Pessoa, Aleixo Leite, Aguinaldo Fagundes, Jorge José e Giuseppe Mastroianni foram alguns dos que proporcionaram a seus admiradores tardes festivas de autógrafos. Os livros mais vendidos, segundo pesquisas especializadas sempre são encontrados na Estudantil.
Durante os 75 anos, A Estudantil e Galvão Cavalcanti de alguma forma contribuíram com a educação em Caruaru. Não apenas na venda dos livros didáticos e literários a 4 gerações, mas ainda participando e colaborando com eventos escolares, trazendo os alunos para visitas periódicas ao departamento de livros, proporcionando concursos literários e premiando vencedores de diversos certames. A Estudantil viu e presenciou o surgimento de novos escritores e poetas que tiveram os primeiros contactos literários no seu departamento de livros.
O seu fundador já se foi. O trabalho e os objetivos continuaram em respeito ao interesse inicial pela preservação da cultura. E hoje, 75 anos após, mesmo navegando nas águas turvas da política e da economia da nação, a empresa continua sendo referencia no atendimento, no relacionamento com os clientes e colaboradores, sempre ensinando, participando e procurando melhorar a vida dos que, de algum modo, estão presente na vida diária da LIVRARIA ESTUDANTIL.
Neste 8 de janeiro de 2018 Galvão Cavalcanti completaria 100 anos, se estivesse entre nós. Fisicamente se ausentou. Não foi esquecido, no entanto. Sua obra principal, a Livraria Estudantil. Sua participação na evolução social e cultural de Caruaru foi grande. Reconhecido por muitos como uma figura ímpar, Galvão sempre pronunciou que “Devemos fazer o bem sem esperar recompensas”. E assim fez.
Caruaru, janeiro de 2018.
Ivan Galvão.